Quem nos tenha seguido até aqui, deve ter reparado que chegámos a um ponto delicado na nossa abordagem ao problema da linguagem teológica, do “falar sobre Deus”. Vimos que, por um lado, é necessário falar de Deus e, por outro, é impossivel uma linguagem que fale dele de modo exato, adequado, perfeito, como fazemos em relação às realidades contingentes, mensuráveis, justamente porque Deus é incomensurável. O que dele podemos conhecer pela razão, apenas o conhecemos pelos entes contingentes, mantidos no ser pelo Ser Necessário, sendo que Este confere aos entes todas as suas perfeições, conforme vimos.
Que linguagem usar então?
Uma linguagem de sentido unívoco refere-se a conceitos que, quer aplicados a um objeto, quer a outro, significam, sob o mesmo modo e sob o mesmo aspecto, a mesma coisa: são identicos, e se identificam como equivalentes, mudando apenas o objeto visado. Em teologia, significaria referir a Deus o mesmo sentido que têm na linguagem comum, ordinária.
Temos depois a linguagem equívoca. Neste tipo de linguagem, os conceitos, embora conservem a mesma forma linguistica, referem-se com sentidos diferentes em relação a diferentes objetos, por exemplo “o homem casa com a mulher” e “a casa é grande”. Neste caso, dá-se uma equivocidade nos sentidos, embora a forma linguistica permaneça.
Poderemos usar da linguagem unívoca para falar de Deus? A linguagem unívoca suprime aquela distância infinita entre Criador/criado. Escutemos, com atenção, S. Tomás: “todo o efeito que não é proporcional à potencia da causa agente (Deus) tira uma semelhança do agente, não segundo a sua natureza, mas imperfeitamente, de maneira que aquilo que nos efeitos se encontra dividido e múltiplo, na causa é simples e uniforme (…) todas as perfeições das coisas, que nas criaturas são fragmentárias e múltiplas, em Deus preexistem em simples unidade. Assim, pois, quando um nome que indica perfeição é aplicado a uma criatura, significa essa perfeição como algo distinto das demais (…), por exemplo, quando o termo sádio é atribuido ao homem, indica-se uma perfeição diferente da essência do homem, da sua força, da sua existência (…). Quando, ao invés, atribuimos esse nome a Deus, não queremos indicar alguma coisa diferente da sua essência, da sua força ou do seu ser. Por isso, nenhum nome é atribuido a Deus em sentido unívoco” (S. Tomás, Summa theologiae I, 13, 5). Torna-se fácil concluir que a utilização de uma linguagem unívoca iria conduzir ao panteismo.
E sobre a linguagem equívoca? Nesse tipo de linguagem, os significados são totalmente diferentes, a ponto de, se se afirmar algo sobre Deus, nem se pode saber, de facto, nada sobre o significado do termo, quando aplicado a Deus, justamente porque, diz-se, a linguagem teológica nada tem a ver com a linguagem não-teológica. Ora, a equivocidade é, assim, mais perigosa do que a unívocidade, na medida em que torna inteligivel e até absurdo qualquer discurso sobre Deus. Deste modo, ela conduz, mediatamente, ao ceticismo, ao agnosticismo e ao ateismo. E conduz a isso, justamente porque “nada se poderá conhecer ou demonstrar a respeito de Deus partindo das criaturas” (S. Tomás, idem). Se assim fosse, o ato de crer teria que ser reduzido a mera crendice supersticiosa, fácilmente a negação teórica de Deus seria imparável, pois, como se viu, é a partir das criaturas que se chega, pela razão, ao Principio.
Linguagem analógica
Resta-nos a linguagem analógica. Explica-nos S. Tomás que “esse modo de comunicação coloca-se a meio caminho entre a pura equivocidade e a simples univocidade, porque nos nomes analógicos não se dá uma noção única, como nos unívocos, nem totalmente diferente, como nos equívocos; o nome que analogicamente se aplica a mais de um sujeito significa diferentes proporções em relação a uma mesma coisa” (Idem). Assim, vemos que os conceitos análogos, quando aplicados a um objeto e a outro, possuem um significado em parte identico e em parte diverso. Veja-se, por exemplo, quando se diz “o homem vive” e “a rosa vive”. Neste caso, a vida é um conceito análogo, pois ambos, homem e rosa, participam da vida, mas a vida de que participam não é a mesma, mas sim diversa (vida animal e humana e vida vegetal).
Ora, o mesmo sucede na utilização dos conceitos quando aplicados a Deus. Só podem possuir um sentido análogo, mas não unívoco nem, muito menos, equívoco. Ou seja, conceitos dotados de significados em parte identicos e em parte diferentes. E isto, como temos vindo a refletir, é bem consequênte com o facto de, entre criatura e Criador ocorrer uma relação de dependência total. “A analogia assenta na relação de semelhança entre duas realidades (…): o que de uma é dito em sentido próprio, da outra é dito em sentido análogo, se esta está numa relação à primeira que sob algum aspecto ou em algum grau participa na essência da primeira, sem no entanto ser idêntica a ela. É, como vimos, o que se passa entre Criador e criatura (analogia entis) por força da participação no ser” (António Vaz Pinto, Ateismo e Fé, 8, 6, b).
Via positiva, via negativa e via eminencial no método da analogia
Vimos que, pela razão, só chegamos a falar de Deus, dos Seus atributos, partindo das perfeições da criaturas. Porém, nem todas as perfeições criadas podem ser atribuidas a Deus do mesmo modo. Nos entes, encontramos perfeições simples, e perfeições mistas.
As perfeições simples são aquelas que não incluem nenhuma imperfeição na sua essência e que não se limitam a nenhum grau de ser. Por exemplo, a bondade pode ser atribuida a Deus em modo formal e eminente.
As perfeições mistas são aquelas perfeições que, na sua própria noção, incluem imperfeição. Por exemplo, pensemos em “racionalidade”. Esta perfeição da racionalidade, própria do homem, não pode ser atribuida formalmente a Deus, uma vez que a racionalidade humana, procedendo por raciocinios, é uma formma de inteligência, mas essêncialmente imperfeita. Mas aquilo que ela tem de perfeição não pode deixar de estar contido em Deus. Só pode derivar dele. Assim, trata-se de uma perfeição que se atribui a Deus, não de modo próprio, mas eminente. A inteligência, perfeição simples, já se pode atribuir a Deus não só de modo eminente, mas também de modo formal.
Mas, e olhando de novo para as perfeições simples, estas, nas criaturas são sempre limitadas. Em Deus, pelo contrário, elas se realizam de forma ilimitada. Por isso, aplicando-as a Deus, negamos-lhe o seu limite, finitude.
A partir daqui, S. Tomás refere-nos as chamadas “três vias” nas perfeições atribuidas a Deus. São elas:
Via afirmativa – Faz-se uma afirmação de tipo positivo (ex. Deus é bom);
Via negativa – Faz-se uma afirmação de tipo negativo, no sentido de que determinada perfeição em Deus não é como se encontra nas criaturas (ex. Deus não é bom);
Via eminêncial – Afirma-se que as perfeições que com Ele se identificam e lhe são predicadas (perfectio praedicata), exluidas as imperfeições, realizam-se de modo infinito, eminente (ex. Deus é bondade).
A partir daqui, S. Tomás refere-nos as chamadas “três vias” nas perfeições atribuidas a Deus. São elas:
Via afirmativa – Faz-se uma afirmação de tipo positivo (ex. Deus é bom);
Via negativa – Faz-se uma afirmação de tipo negativo, no sentido de que determinada perfeição em Deus não é como se encontra nas criaturas (ex. Deus não é bom);
Via eminêncial – Afirma-se que as perfeições que com Ele se identificam e lhe são predicadas (perfectio praedicata), exluidas as imperfeições, realizam-se de modo infinito, eminente (ex. Deus é bondade).
Os predicados atribuidos formalmente – res praedicandi et modus praedicandi
Já acenámos a um aspecto a considerar, quando vimos acima que “olhando de novo para as perfeições simples, estas, nas criaturas são sempre limitadas. Em Deus, pelo contrário, elas se realizam de forma ilimitada. Por isso, aplicando-as a Deus, negamos-lhe o seu limite, finitude”
Isto leva-nos inevitavelmente a ter que ver ainda melhor o nosso falar, mesmo nas perfeições simples. Vejamos as perfeições que, num outro artigo, vimos acerca dos entes: unidade, bondade, verdade, beleza e realidade.
Isto leva-nos inevitavelmente a ter que ver ainda melhor o nosso falar, mesmo nas perfeições simples. Vejamos as perfeições que, num outro artigo, vimos acerca dos entes: unidade, bondade, verdade, beleza e realidade.
São todas perfeições simples, atribuidas a Deus de forma formal e eminênte. Mas, já sabemos, a bondade das criaturas é diferente em grau, em modo, da bondade predicada de Deus. Esta é, em Deus, ilimitada, e nos entes, limitada. Então, temos que fazer uma distinção no ato de predicar algo a Deus, não é?
E fazemos!! Por exemplo, quando se predica a Deus a bondade, predica-se segundo “o que significa” (res praedicandi), mas não segundo o “modo como se predica” (modus praedicandi). Que quer isto dizer? O modus praedicandi, o modo como se predica, designa o modo finito, limitado, como conhecemos e concebemos a bondade. Nesse modo, só às criaturas pode ser aplicado, uma vez que jamais conseguimos captar a modalidade efetiva desse sentido de bondade em Deus, o modo como em Deus se predica. Em Deus, só conhecemos “o que se predica”, mas não o “modo como se predica”.
Assim, as perfeições simples, predicadas a Deus de modo formal, se predicam a Deus apenas segundo o que essas perfeições significam. O modo como significam, só se predica às criaturas, porque só esse conhecemos de facto.
Esclarecendo melhor a distinção, podemos afirmar que o res praedicandi, o que significa, designa o significado mesmo, ilimitado. O modus praedicandi, o modo como se predica, designa a representação, o modo humano de significar, sempre ligada ao concreto da nossa finitude espacial e temporal. Assim, o significado do predicado afirma-se de Deus em sentido próprio, embora só o conheçamos por analogia.
Sentido impróprio, simbólico e metafórico
É comum, na nossa linguagem religiosa e mesmo bíblica, serem usadas expressões tais como “Leão de Judá”, ou “sol da Vida”, entre outras. Ora, trata-se de expressões que, ao inverso das anteriores, se aplica em sentido próprio, não a Deus, mas às criaturas, e a Deus só se aplicam em sentido impróprio.
Findo este aspecto da linguagem teológica, vamos avançar no proximo artigo para os atributos de Deus, vendo até onde pode ir a razão humana.
Já agora, desculpem o facto de ter sido “xato pra cacete”… o pior é que eu gosto de ser assim… é doença mesmo kkkkkkkkkkkk
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